segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Japão: Uma viagem espiritual.

“O que é que eu estou aqui a fazer?” esta é logo a primeira questão que me coloco ao acordar, pouco me recordo do dia anterior apenas de pequenas fracções, sei que apenas queria afastar-me do meu mundo para conseguir uma melhor perspectiva e clareza do meu percurso e das minhas escolhas e então finalmente tive a coragem de partir. E aqui estou eu, num país distante do meu onde o modo de pensar é diferente e distinto.
Por fim e após estas reflexões acabo por sair do futon pois decidi ficar num hotel tipicamente japonês e aqui dorme-se em futons, a principio pode não ser nada agradável porém sei que poderei me habituar com o tempo e é sempre bom para corrigir a postura.
Todos os hotéis típicos têm termas e é onde vou tomar o meu banho, aqui há uma parede que separa a zona dos homens da das mulheres, é realmente relaxante demoro-me mais um pouco a água morna e corrente acalma-me o espírito, sim acabo de me aperceber que é esse o objectivo, a calma aqui é um dos mais antigos ideais do espírito. Algumas mulheres vão saindo, acho que está na altura de irem tomar o café da manhã como se diz aqui. Passado algum tempo resolvo sair, já que o meu estômago exige-me o pequeno-almoço.
Na sala comum espera-me a primeira refeição da manhã, aqui as mesas são demasiado baixas, ao princípio estranho mas depois olho em volta e então tudo faz sentido, aqui ajoelhamo-nos para comer, a mim parece-me desconfortável mas enfim irei tentar. Ajoelho-me numa mesa ao canto e então aparece uma empregada vestida com um belo quimono, fico deslumbrada com os complicados padrões dos desenhos, sei que no Japão os quimono são considerados arte. Ela pergunta-me se desejo tomar o pequeno-almoço tradicional, eu respondo-lhe que sim (a minha pronuncia é completamente diferente da dos japoneses, mas a rapariga entende-me) o meu japonês ainda é muito básico mas dá para me desenrascar. Passado pouco tempo ela volta com “misso shiru” numa malga em porcelana e com um prato com arroz e pickles. Olho para o meu pequeno-almoço, sinceramente preferiria o pequeno-almoço do meu país mas vim para aqui com o intuito de experimentar e viver uma cultura totalmente diferente da minha, por isso esqueço os meus gostos e preparo a minha mente para novos sabores. Começo pelo “misso shiru” que é uma sopa feita á base de soja e bebo-a, bem o sabor é bastante diferente porém não posso considerar que seja um mau sabor, em seguida pego nos pauzinhos (aqui não se usa talheres) e tento comer o que está no prato, é bastante difícil comer arroz assim, é preciso ter perícia e ser rápida mas como para mim é difícil demoro bastante tempo a acabar a minha refeição enquanto como vou observando a harmonia da sala e reparo que segue as regras do Feng Shui ou seja baseia-se no fluxo de energia que os objectos transmitem tentando ao máximo evitar as más energias, considero essa teoria bastante racional pois também acredito na influência dos objectos pois tudo nos afecta mesmo que não nos demos conta disso. A sala contem bonsais que estão ligados á terra ou seja harmoniza a sala com a natureza e também existe uma tela com a imagem da montanha que significa força e pureza. Quando estou quase a acabar o meu pequeno-almoço a dona do hotel dirige-se á minha mesa, noto que é a dona do hotel devido ao seu quimono muito mais trabalhado e com complicados padrões de desenhos que são deveras muito mais bonitos que os da empregada, o seu penteado é demasiado complexo e contem variados ornamentos, os seus olhos estão maquilhados de preto e a boca está pintada de um vermelho vivo. Ela traz uma chávena de chá que posso concluir ser chá verde, ajoelha-se diante de mim e pergunta-me se gostei do quarto respondo-lhe que sim. Após mais algumas perguntas banais, começa por me dizer o seu nome: Yuki que significa neve, aqui todos os nomes tem um significado. Yuki conta que recebeu esse nome porque quando nasceu o seu pai olhou pela janela e viu neve na montanha, ele sentiu que era um sinal e então resolveu dar esse nome á filha para que a sua alma permanece-se tão branca como a neve no topo da montanha, concordei com Yuki no facto de ser um belo nome e de as razões dessa escolha terem sido uma das melhores. Ela sorri e diz-me que o nome duma pessoa é muito importante pois irá influenciar o seu carácter juntamente com outros factores, então ela pergunta-me o meu nome após ficar a sabe-lo, o seu rosto ilumina-se e explica-me que o meu nome significa aquela que é amada, não lhe respondo nada pois tenho as minhas dúvidas em relação a isso. Em seguida ela conta-me a história da sua família, com orgulho diz que pertence a uma longa linhagem de samurais, é importante a linhagem da família para estas pessoas e ser duma linhagem de um bom samurai é quase como se fossem da família real não por causa das riquezas mas sim pelos ideais que os seus antepassados apoiavam e também pelas técnicas que variavam de samurai para samurai. No fim ela diz-me que o seu irmão tem um dojo no sopé da montanha, um dojo é uma escola que ensina a arte dos samurais (o Kendo). Por fim despeço-me e saio para a rua, o hotel encontra-se na periferia da cidade. Ao sair reparo nas estátuas dos pilares que marcam a entrada do hotel, as estátuas representam o gato da sorte: Maneki neko.
Como já referi aqui acredita-se no poder dos espíritos que podem estar representados de muitas maneiras (através da natureza, de animais e até através de objectos).
Apanho o autocarro para Tóquio, a capital, quando chego vejo uma multidão de pessoas, sinto a vibração da cidade a fervilhar de actividade e de energia.
Enquanto caminho pelas ruas reparo na diversidade da forma de vestir, observo com incredibilidade as pessoas a usarem quimono, yukara, hakama, roupas ocidentais e cosplay. Reparo que as pessoas aqui não são preconceituosas, não olham de lado para pessoas que se vestem de maneira diferente da sua, como eu gostaria que na sociedade em que vivo o preconceito não fosse o prato do dia.
Estou na cidade da tecnologia, são imensos os arranha-céus e como hoje é domingo as principais ruas estão interditas ao trânsito devido á politica para diminuir a poluição numa cidade tão grande, então calmamente ando no meio da multidão e aprecio a cidade. Almoço sushi num restaurante de Tóquio.
Após o meu almoço decido apanhar o shinkansen, o comboio foguete, vou para o monte Fuji, o monte sagrado.
Quando chego é me impossível descrever a grandiosa paisagem que observo, realmente era impossível este monte não fazer parte da vida das pessoas aqui. Procuro o dojo do irmão de Yuki, este encontra-se no sopé do monte Fuji. Entro no dojo, um espaço amplo em bambu, procuro o irmão de Yuki vejo ao fundo uma pequena porta que penso dar para o jardim encaminho-me para aí. Tinha razão no jardim está o irmão de Yuki, ajoelhado a beber o seu chá, não o interrompo. Tenho a certeza que está a meditar, logo espero que termine dentro do dojo. Quando entra não fica surpreendido por me ver ali pois sentiu a minha presença quando fui ao jardim.
Cumprimento-o e digo-lhe que estou alojada no hotel de sua irmã. Ele acena-me e diz-me que se chama Natsu (Verão). Digo-lhe que gostaria de ter uma aula de Kendo. Ele sorri, começa por me dizer que quando se luta, luta-se por algum ideal, sem um ideal a espada não tem alma e sem alma uma espada acabará por cair. A técnica apenas aperfeiçoa o manejar da alma (espada). Natsu entrega-me um Shinai, uma espada de bambu e começa-me a ensinar algumas técnicas sendo que no fim da aula mostra-me que a espada reage a personalidades diferentes de maneira desigual ou seja se lutarmos pelo ideal mais correcto, a espada será-nos fiel.
Após a minha pequena lição de Kendo, vagueio pela aldeia do sopé do monte Fuji. Ao passar por uma casa, uma idosa convida-me a entrar, aceito de bom grado o seu convite. Oferece-me chá e um prato com vários doces típicos do Japão, Nerikiri, Monaka e Rakugan. Provo as Monakas e os Rakugans porém não me atrevo a comer os Nerikis que são uns doces feitos á base de feijão vermelho, odeio feijão. Enquanto conversamos explico-lhe porque estou no Japão, a idosa Sachiko (criança feliz) conta-me um pouco da sua vida diz-me que nasceu naquela aldeia e que quando tinha 20 anos decidiu ir viver para Tóquio, lá conheceu o homem com quem tencionava passar o resto da vida porém Ichigo (Morango) foi chamado para a 2ª guerra mundial e antes de ele partir Sachiko decidiu casar com Ichigo e nesse mesmo dia eles casaram sendo que Ichigo fez-lhe prometer que ela viveria por eles os dois. Então Sachiko conseguiu arranjar forças para sobreviver á Guerra porém Ichigo não voltou, um oficial deu a trágica notícia. Porém Sachiko confidencia-me que ele ainda vive no seu coração.
Infelizmente tenho que voltar, está a ficar tarde, ainda tenciona jantar no hotel da Yuki. Amanhã vou visitar os templos xintoístas e budistas, também tenciono visitar o castelo Nagoya que é um castelo tipicamente Japonês e que foi incendiado e reconstruído e por essa razão contém muitos amuletos contra incêndios. Estou ansiosa para que chegue o próximo sábado pois vou assistir ao Festival do rio Sumida-Gawa que se realiza sempre no último sábado de Julho, este é um Festival com fogo-de-artifício onde as pessoas vestem kimono e levam lanternas de papel.
Chego ao hotel bem cansada desta minha jornada.

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